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Narizes Agudos
Por Fernando Miranda
Em tempos idos, talvez aí entre os séculos XVIII e XIX, havia uma antiga região vinícola na Europa, que poderia ser no norte da Itália, onde este caso se sucedeu. Há que primeiramente se explicar que nas regiões produtoras, a qualidade dos vinhos das diferentes safras varia de um ano para o outro, dependendo das benesses ou não da meteorologia.


Certo produtor chamado Lancelotti tinha fama de elaborar vinhos de qualidade. Num determinado ano, ele teve a felicidade de conseguir em suas vinhas uma conjunção de fatores extremamente favoráveis para a obtenção de uma grande safra. O inverno não havia sido muito rigoroso. Na primavera ocorreram chuvas suficientes, nem a mais nem a menos; também não vieram as geadas tardias, que normalmente queimam severamente as plantas. Para coroar, seguiu-se um verão bastante ensolarado, com algumas poucas chuvas, quase todas à noite, promovendo um ótimo amadurecimento das uvas. Como se ainda não bastasse, apareceram poucas pragas de insetos e doenças nas videiras.


De seu vinhedo, de tamanho intermediário, ele resolveu separar a produção de uma parcela, onde se produzia as melhores uvas.
Como competente vinhateiro tomou todos os cuidados e precauções de tal modo que com estas uvas, obtivesse um vinho de grande qualidade e muito estruturado, apto a longo envelhecimento. Este vinho foi de pequena produção, o suficiente apenas para encher um tonel de carvalho de dez mil litros, como era usado comumente na região.


Ao cabo de uma vintena e meia de meses, o vinho afinal tinha ficado pronto. Era um verdadeiro luxo, apenas para poucos bicos, pois a sutileza de seus aromas e paladares, somente os experimentados provadores poderiam aquilatar.





A fama deste néctar foi atravessando montes e rios, indo até cidades importantes, onde provocou curiosidade de dois negociantes de vinho. Coincidentemente os dois chegaram à cantina de Lancelotti no mesmo dia e quase à mesma hora. Eles nem se conheciam e foram conversando com o vinhateiro.


O primeiro, de nome Pierre, com um vozeirão pediu para provar do vinho, que se fosse mesmo bom, estava disposto a pagar por ele uma boa soma. O outro de nome Gilbertti, mais tímido, estava também ansioso para provar o já afamado vinho. A vinda dos visitantes despertou o ímpeto dos aldeões que se assomaram junto às janelas da cantina para assistir aquele evento ímpar.


Finalmente chegou a hora de servir o vinho super prêmio. Retirando cuidadosamente uma jarra da barrica, foi servindo o néctar em dois cálices de cristal. Os homens examinaram cuidadosamente a cor e a transparência. Exprimiam vários sons como: oohhh!!!, hummm!!!
Depois começaram a analisar os aromas:


- Sinto aromas de frutos vermelhos como mirtilo, cereja e amora, disse Pierre.

- Concordo, disse Gilbertti, mas, além destes, percebo chocolate, baunilha e café, no que também assentiu o outro.

- Mas o que mais me intriga é ter uma notinha de aroma de ferro, colocou Pierre.

- Não sinto a nota de ferro, mas um acento de couro, concluiu Gilbertti.


A partir daí a discordância verbal foi crescendo, é ferro, é couro, é ferro, é couro, acirrando as opiniões e causando pasmo nos aldeões.
Lancelotti interviu, solicitando gentilmente que passassem à prova do gosto e assim concluindo a avaliação. Os dois negociantes e Lancelotti conseguiram, por fim, chegar a um acordo sobre o preço e cada um comprou a metade do vinho.


No dia seguinte Lancelotti e um empregado começaram a engarrafar o vinho para ser entregue àqueles novos clientes. Ao final da operação, os dois entraram no tonel para proceder à limpeza interna, devidamente munidos de velas, vassouras e água. E qual não foi o espanto dois ao se depararem no fundo com uma grande chave de ferro com um laço de couro amarrado à ela.


Que narizes agudos daqueles caras!


Fernando Miranda também possui um nariz agudo. Falo isso com conhecimento de causa. Conheci-o numa viagem à Bento Gonçalves, em 1988, quando ele estava sendo treinado para substituir o Danio Braga como professor e presidente da ABS (desta vez esta sigla significa mesmo Associação Brasileira de Sommeliers, não tendo a conotação erótica de Degustação às cegas).


Fiz amizade “de cara” com este simpático engenheiro, que depois passou a dar aulas particulares à beira da piscina para um seleto grupo, dentre eles Beatriz Novaes (leiam seus artigos Tendências verão 2007, Ashes and Snow, Lençóis maranhenses, e Beatlemodamania), e Marisa Vianna, a super agente de viagens citada em Espanha: roteiro de analogias.
Podem contratá-lo. It’s worth while!
 
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