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Tenreiro, mestre da moderna movelaria brasileira |
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Por Ignez Ferraz |
Joaquim Tenreiro: Modern Interior Concept up till now
Tive o privilégio de conviver desde criança com Tenreiro. Meus pais eram clientes e amigos deste grande designer, filho e neto de marceneiros. Português nascido em 1906 na pequena aldeia de Melo, Joaquim de Albuquerque Tenreiro fixou-se definitivamente no Rio de Janeiro em 1928.
Com seu talento múltiplo, diversificou seu trabalho em várias áreas:
- Na década de 30, destacou-se na pintura integrando o importante Grupo Bernadelli.
- Foi o criador do moderno móvel brasileiro a partir da sua "poltrona leve" de 1942 - onde a nova estética aliava-se com graça ao conforto e comodidade. (Vejam exemplos no ARTIGO “ANOS JK”.)
A inauguração da sua primeira loja no Rio de Janeiro em 1947 foi um sucesso - namorados marcavam encontros nos seus espaços agradáveis e bem decorados. Reparem o conjunto de luminárias pendentes quadradas e retangulares de diferentes dimensões... modernidade visionária!
- Em 1968, quando encerra suas atividades comerciais, começa a desenvolver uma série de intrincados relevos em madeira para paredes que denominou Esculpinturas – veja foto em “Souzanetto: Arquipinturas” - mesclando o artista e o designer.
Mas Tenreiro não se deteve apenas nestas três fases mais conhecidas da sua obra. Tinha uma visão global do ambiente. Quando projetava uma residência, preocupava-se com cada componente. Costumava também colorir as paredes. Nos anos 60, denominávamos os cômodos do nosso apartamento por suas cores e não pelos nomes dos usuários: quarto azul, rosa, verde...
Antecipação de tendências é isso - a nossa Sala de Jantar já era toda preta e branca.
Reparem a elegância da sua famosa "poltrona leve" e a estante em zig-zag com portas basculantes para o bar.
Desenhava as escadas, lambris e portas - de entrada, internas de correr e armários embutidos. Nestes, sabia explorar os veios de madeiras pouco conhecidas como o amendoim em portas lisas e foscas, apenas com detalhes delicados de ventilação, que jamais esquecia.
Nas portas de entrada as "almofadas" eram reinventadas de uma maneira simples, mas imponente. "Sem maçanetas interferindo, por favor. Apenas a chave", permitia, mas ainda com resistência.
Fazia questão de especificar os pisos. Gostava tanto do mármore de carrara quanto das estreitas réguas de pau-marfim - e delimitava os espaços com as diferenças destes pisos ou até mesmo com cortinas.
Esta foto é de 1958, ano que nasceu meu sexto irmão Pedro (minha mãe tinha um filho por ano mas se mantinha sempre esguia, como vocês podem observar).
Tenreiro ousou como ninguém. Naquela ocasião - ou até mesmo hoje em dia - quem colocaria pisos diferenciados ou cortinas com tecidos de padronagens distintas para demarcar a transição entre estar e jantar? Linhas horizontais conviviam com círculos que nos trazem à lembrança a sua série "Ciclistas". Ainda assim conseguia ser moderno - limpo e sem excessos.
Para dividir as áreas social e íntima, fabricava "portas-colméia" no mesmo tom da parede contígua (no caso, verde piscina), além das modernas “sancas” com iluminação indireta, “soltas” da parede. E o estrado substituindo o sofá, que tal?
Desenhava, ainda, luminárias e azulejos, chegando ao requinte de pedir que o cliente comprasse as matrizes para impedir a reprodução. Os azulejos apresentavam desenhos geométricos que permitiam composições variadas. Assim como nos relevos, eram utilizadas cores fortes e contrastantes como o azul anil e o amarelo ouro.
Mas talvez o menos conhecido dos seus projetos tenha sido o de luminárias. Com a influência de estilos de época que conhecia tão bem o artista criou lustres - ricos, sofisticados, surpreendentes – que criariam polêmica até hoje. O setor de iluminação foi o que mais se desenvolveu na última década, mas na época em que atuava era uma lacuna. E Tenreiro tentou preenchê-la. Como o fez com todas as lacunas que encontrou pelo caminho. (Vejam fotos de azulejos e luminárias que projetou para nossa residência na matéria “Tenreiro dos azulejos e luminárias”.)
Doce figura, tinha orgulho do que produzia e não se importava em percorrer o árduo caminho dos inovadores. Porém, nunca foi ambíguo. Conversar com ele era uma aula não só de técnica, mas de postura, caráter e retidão. Com coerência soube manter-se fiel a si mesmo. Trabalhou na fronteira entre Arte e Mercado, incorporando o novo, sem se afastar de suas raízes.
"O designer deve fazer projetos coerentes com seu tempo e criativos à sua interpretação da vida cotidiana", pregava meu grande mestre.
Com carinho, Ignez Ferraz
P.S. Foi com ele que aprendi a reconhecer os veios da madeira e a explorar seus desenhos; como estruturar um móvel com um mínimo de madeira para aparentar um máximo de leveza; como fazer encaixes sem pregos ou parafusos ou como acabamentos suaves podem ser utilizados mesmo nas partes não visíveis. Suas gavetas deslizavam com um leve toque de dedos, sem ferragens ou puxadores. Se vocês quiserem ver uma foto do Tenreiro comigo e minha família dêem uma olhada no final de “Influências”. |
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