Nota Ignez: Estou inchada de tanto orgulho! Carol Rezende, minha pupila por um bom tempo (vejam foto em Carnaval!) ganhou com o seu grupo o disputado prêmio de Arquitetura do IAB, pelo projeto de habitação social CHIQ DA SILVA, também exposto na Bienal de S.P. Abaixo transcrevo texto-memorial de próprio punho da autora, que também redigiu Arquitetura Portuguesa: uma Escola, depois de ter morado um ano no Porto com merecida bolsa da UFRJ.
O “Workshop Chiq da Silva” é uma proposta de alta relevância sócio-política, arquitetônica e urbanística. Nasceu da vontade de levar arquitetura àqueles que normalmente não têm acesso ao arquiteto. Trata-se de um projeto coletivo para reforma do edifício “Ocupação Chiquinha Gonzaga” no centro do Rio de Janeiro. O projeto retoma a discussão de Lefebvre sobre o “direito à cidade” e de Borja na busca por uma “cidade cidadã”, trabalhando uma solução para o enorme déficit habitacional das cidades e para o esvaziamento dos grandes centros.
Mapa das ocupações no centro do Rio.
Em 2004, um grupo organizado, com a ajuda de alguns movimentos sociais, ocupou o prédio de 12 andares que pertencia ao INCRA, abandonado há cerca de 30 anos no centro do Rio de Janeiro.
Formada por 64 famílias (mais de 200 moradores) e, após 3 anos de ocupação irregular, está prestes a ser efetuada a doação do prédio aos ocupantes. Um aspecto interessante desta doação é que ela seria feita à ocupação e não aos indivíduos.
Em busca de uma identidade
Em 2006, a Ocupação Chiquinha Gonzaga entrou em contato com os arquitetos Thais Meireles, Daniel Wagner e Mauricio Duarte para a realização de um projeto de requalificação do edifício. Com base nas informações sobre a ocupação, organizaram um Workshop para estudantes e jovens arquitetos no intuito de desenvolver o projeto, como um trabalho voluntário e em forma de mutirão, assim como os moradores da ocupação.
A organização do Workshop foi feita a partir do levantamento de dados e diversas visitas à ocupação, onde foram decididas com os moradores em assembléias, as intenções, propostas, cronogramas, métodos de trabalho e colaborações entre os moradores e os voluntários.
No dia 28 de Julho de 2007, no evento de comemoração de 3 anos da Ocupação foi entregue aos moradores o projeto desenvolvido.
O Workshop “Chiq da Silva” aconteceu em Dezembro de 2006, em um espaço cedido pela Maison de France e teve apoio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, FAU-UFRJ. Uma das premissas do projeto é encorajar a interação e cooperação entre os moradores sem deixar brechas que pudessem se tornar motivo de desentendimento interno. Os participantes foram divididos em equipes e cada uma foi responsável por um espaço. Os projetos eram discutidos entre todos. A duração foi de duas semanas e o trabalho foi desenvolvido até o nível de um projeto básico das unidades habitacionais e das áreas de uso comum do edifício.
Para dar continuidade à iniciativa, os arquitetos Gilberto Rocha e Carolina Rezende, participantes do workshop, se juntaram aos criadores do Chiq da Silva para desenvolvimento até o nível anteprojeto.
A forma de organização do “Chiquinha Gonzaga” é peça chave para o sucesso da ocupação. O compromisso com a coletividade garantiu a forma democrática com que as experiências individuais são compartilhadas em assembléias periódicas. Assim como as decisões importantes sobre o edifício são discutidas e votadas pelos moradores.
Programa foi decidido com os moradores nas assembléias.
Fruto dessa organização, seus habitantes contam com uma infra-estrutura básica, como distribuição de luz e água, saneamento e coleta de lixo. Por tudo isso, o Chiquinha Gonzaga se tornou uma ocupação símbolo no Rio de Janeiro. Porém, o edifício em si ainda possui muitos espaços vazios ou sub-aproveitados, precariedade de instalações e acabamentos, entre outros. É aí que um projeto de requalificação do edifício se torna importante, ao mesmo tempo que obras de melhoria são fundamentais para a conquista de uma moradia mais digna.
Objetivos e Soluções do Projeto de Arquitetura:
- Cidadania: Melhorar as condições de moradia das famílias envolvidas - adaptação dos quartos e espaços comuns e criação de soluções para economia de espaço.
Térreo e mezanino.
- Sustentabilidade econômica e social: Prover condições para que os próprios indivíduos possam melhorar sua situação.
Espaços e organização que facilitam a vida para que os moradores possam trabalhar, como a creche, garagem de carrinhos e boxes de armazenagem.
O uso das empenas, criação de cozinha coletiva, lavanderia coletiva e oficinas de marcenaria, silk, etc.
Uso da empena integrando a Ocupação Chiquinha Gonzaga à cidade com a possibilidade de geração de renda.
Criação de espaços de aprendizagem: Salas Multiuso (para aulas de alfabetização, etc), Biblioteca, Sala de inclusão digital. E espaços de recreação e socialização, no Terraço para recreio, churrasco e festas e Sala de Ginástica.
- Sustentabilidade ambiental:
Módulos “plug-in” na fachada. Estes módulos servem tanto como elementos de sombreamento que permitem ventilação natural, como espaço abrigado de secagem de roupas e jardineira (trazendo o verde ao ambiente urbano).
Sistema de acoplagem do módulo pré-fabricado que possui brise móvel, varal e jardineira.
Criação de todo um novo sistema de infra-estrutura incluindo tubulação de reuso de água e captação de água da chuva.
Utilização do shaft do elevador para passagem de novas tubulações inserindo o sistema de reuso de água.
A iniciativa do projeto teve repercussão no meio acadêmico e os jovens arquitetos foram convidados a participar do seminário “Reflexões sobre a busca da identidade brasileira através da arquitetura” na Universidade Santa Úrsula – RJ e do “IV Colóquio de pesquisas em Habitação” da Universidade Federal de Minas Gerais. O projeto foi um dos escolhidos para ser exposto na 7ª Bienal de Arquitetura de São Paulo.
Olhando um passo à frente, esta pode ser a possibilidade de estabelecer um grupo que desenvolva soluções para casos semelhantes ao da ocupação “Chiquinha Gonzaga” em outras áreas da cidade, ou até mesmo em outras regiões do Brasil, formando uma nova maneira de se pensar a política habitacional das grandes metrópoles. |