Em 1980, quando nasceu sua filha Laura, a desenhista industrial Valéria Costa Pinto não imaginou que um origami, recebido como presente, seria capaz de mudar seu futuro. Fascinada por aqueles pequenos papéis coloridos de formato quadrado, a artista não parou na deliciosa brincadeira de dobraduras de animais-brinquedos. Comprou livros (inclusive trazidos pela amiga Sônia Braga de Nova York), pesquisou, dobrou, experimentou.
Dez anos depois...
Valéria descobre uma abordagem contemporânea para a prática milenar japonesa (vejam obs.) de dobrar (ori) o papel (gami) e lança na Galeria Millan em São Paulo a exposição CATAFRACTAS. O nome, sugerido pelo amigo Paulo César Pereio, significa “armaduras medievais feitas de escamas de ferro”.
Observo aquelas formas geométricas abstratas repetidas continuamente em volumes arredondados, possibilitados pela maleabilidade do papel e me pergunto: não serão fractais? (Nota 1)
De origem latina, fractus significa irregular ou quebrado. Pelas mãos de Valéria, o papel nu e cru (lembrando um pergaminho encerado) assume os mais variados relevos e texturas, numa disputa equilibrada entre fragilidade e resistência.
A designer achou graça nela mesma ao contar, que nesta época, suas criações eram enormes, embora seu atelier fosse um minúsculo apartamento. Em contrapartida, nos últimos seis anos, instalada num simpaticíssimo casarão colonial no Rio Comprido, seus objetos são cada vez menores.
Em 94, ainda na fase “agigantada”, a artista lança LEITMOTIV na Casa França-Brasil, onde retira totalmente o peso das esculturas. Tiras intercaladas pelo vazio e fitas de Moebius não mais distinguem frente e verso.
Um ano depois, ainda imbuída desta mesma filosofia, apresenta BIRUTA, instalação impactante para o Culturgest de Lisboa.
Esta relação interior x exterior remete à neoconcreta Lygia Clark, na série “Bichos” (1960). Neste período a Arte Contemporânea não era comercialmente tão valorizada (e desejável) e “papas” como Antônio Dias, Lygia Pape, Cildo Meireles ou Waltércio Caldas, apenas nomes transgressores. (Nota 2)
Pelo prêmio Icatu de Arte recebido em 96, é convidada a fazer residência na Cité Internationelle des Arts em Paris. Chic, non?
Apesar de trabalhar com vídeo-arte desde 98, em PERCEPTOS (Galeria Marcia Barrozo do Amaral – 2002) utiliza uma referência inversa ao cinema, apresentando objetos estáticos que se transformam pelo movimento do espectador – um trabalho híbrido entre fotografia e escultura.
O elemento de dobra - que no passado foi aplicado a peças tridimensionais determinando sua forma escultural, agora se apresenta na superfície plana da parede. Cada obra é composta por três imagens entrelaçadas: duas dobradas a partir de lados opostos e uma centralizada que se funde às outras. Este tipo de montagem cria visões simultâneas e diferenciadas, dependendo do lado que o espectador se aproxima.
Nesta Galeria utilizou sítios arqueológicos como tema, mas hoje manipula desenhos geométricos em pequenos formatos, que podem se agrupar de maneiras variadas.
Ainda não apresentados para o público, vocês serão voyeurs privilegiados com fotos “fresquinhas” das peças ainda no atelier. Très chic autrefois, non?
A redução da cor é outra marca das raízes concretas brasileiras. A paleta monocromática é símbolo da contenção homogênea de luz e sombra, facilitando a concentração nas formas puras e abstratas.
- E o vermelho, perguntei.
Funciona como uma não-cor no meu trabalho. (Nota 3)
Sua intenção foi a de criar movimento, permitindo percepções distintas por meio da experiência interativa entre o espectador e sua obra tão coerente.
Fechando as cortinas deste espetáculo, Valéria nos presenteia - na sua última instalação em Brasília este ano - com persianas “dupla-face”, pintando nelas a geometria como padrão.
Au revoir!
P.S. Vocês sabem como conheci a Valéria? Na época em que ela criava divertidas marionetes com a minha irmã Regina para a minha loja “PRISMA 3” de móveis infantis. Que tal?
Nota 1 - Um fractal é gerado a partir de uma fórmula matemática simples, mas que, aplicada de forma interativa, produz resultados impressionantes. Há uma curiosa relação entre estes padrões e aqueles encontrados na natureza.
Nota 2 - Deixando bem claro que a lista de artistas que ela admira é super extensa, citou assim “na lata” Tunga, Rosângela Rennó e, claro, “Ernesto Neto”. Valéria desenhou seu primeiro catálogo – afinal de contas é formada em programação visual, atividade que exerce até hoje. Também é designer de produtos e recebeu prêmio da Forma por uma chaise (não tão longue) em seu primeiro concurso.
Nota 3 – Idéia estética (Neoplasticismo) enfatizada em De stijl no ensaio escrito por Mondrian em 1920 (leiam “Rietveld, Mondrian e Yves St. Laurent”), a não-cor é o oposto da cor – cinza, branco e preto. Valéria defende que o vermelho, primeira cor visível no espectro de raios, faria parte desta gama, possuindo o mesmo peso. Segundo a entrevistada, o uso voluntário da cor seria o que mais a distanciaria das obras dos venezuelanos Jesús Soto e, principalmente de Carlos Cruz-Diez, cujos Physichromies abordam a transformação cromática pelo deslocamento da luz e do espectador.
Obs. Vocês viram como o Japão me persegue? Nããão? Então dêem um passeio pelos ARTIGOS: “Tokyo Cult” (Viagens), "Tóquio veste Prada” (Moda), “Gueixas de Hokusai”(Arte), “Pedra, Bambu, Água” e “IT Nipônico” (Interiores). |