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Chambres d’Amour
Por Ignez Ferraz
Nada mais real e ao mesmo tempo mais imaginário do que o amor


A boa exposição EROTICA no CCBB me conduziu a reflexões por vezes opostas ao que nos é apresentado:

Se uma fotografia de alcachofra (Edward Weston) ou objetos de latas amassadas podem nos remeter ao erotismo – e nos remetem! – corpos nus na Arte (não valem temas de guerra), podem inversamente, nos conduzir a outros sentimentos?


Morning in a city . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Man and Woman
Hopper (1944) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Schiele (1913)





La Suppliante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Man in a boat
Claudel (1905) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Mueck (2002)


Lembrei-me da imensa solidão em Edward Hopper e da angústia em Egon Schiele; do desespero em Camille Claudel (veja também “A onda” no artigo Gueixas de Hokusai) e da extrema melancolia em Ron Mueck (também presente no seu “Big Man”).


Por outro lado visualizei a imagem do rosto da Meryl Streep tomando banho pouco depois de Clint Eastwood ter se ensaboado sob o mesmo chuveiro, no ótimo “As pontes de Madison”. Os olhos, o suspiro, as contorções do pescoço. Puro desejo!


E se extraíssemos totalmente os corpos?
Um cômodo seria capaz de nos envolver no clima de sensualidade presente anteriormente (ainda que não tenha a simbologia óbvia do erotismo como paredes vermelhas, lingerie rendada espalhada pelo piso e lençóis desarrumados)?


O livro Chambres d’Amour, com fotografias deslumbrantes de Bernard Faucon e texto de Jean-Paul Michel demonstra que SIM.
“A sugestão de luxúria está ali, magnífica, mas a sublimação é desnudada como única tábua de salvação.”


Bernard Faucon
consegue com seu olhar magistral produzir o mais intenso efeito de presença – pela mais atenta encenação da ausência. Com brilho, surpresa, extrema delicadeza...


Somos todos voyeurs – de imagens ou palavras (menos diretas, mas deixando uma margem mais ampla para as fantasias). De preferência umas e outras trabalhando juntas, como num jogo de sedução.
A composição de fotografias e textos selecionados não é para uma “olhada” ligeira. É preciso imaginação e memória como numa degustação sem pressa (como complemento, leiam “Degustação às cegas”), para que a emoção floresça.
Neste contexto, vamos caminhar pelas quatro estações de um grande amor (tendo esta paixão durado dias ou anos – não importa).
Este diálogo (ou será um embate?) entre ELE e ELA é uma homenagem a todos aqueles que algum dia trilharam este percurso.


PRIMAVERA – A primeira vez





ELE pensa:


Imagino
que não aconteça mais do que três ou quatro vezes na vida:
a lembrança persistente de um sonho,
como o passar da felicidade.
Não há mais ação, apenas
a impressão esfuziante de um ser amado: estive a seu lado,
recebi todos os benefícios possíveis de sua presença.


A primeira vez não se esquece.
Esses poucos segundos de vácuos, o corpo esvaziado,
levado pelo turbilhão dos mundos,
o pressentimento que é a primeira e única vez.


Não quero deixar nada escapar,
as cumplicidades mais efêmeras,
as promessas mais banais.



VERÃO – A câmara ardente





ELA pensa:


Segui o canto azul do teu olhar.
No teu silêncio fresco, dormi um tempo infinito.
O amor é esta água dormente que tudo cura.


Pelas tardes quentes demais
em viagem ao fim do mundo,
o mais íntimo de sua carne,
ainda e sempre,
a permanência da volúpia
e a tela dos sonhos idênticos.
No fim da viagem, como um Natal de infância,
uma soma de prazeres que não se pode esgotar.


Consegue-se finalmente aproximar-se do ídolo,
e o instante sublime onde não se sabe,
se o ídolo vai voar pelos ares,
ou voltar a saltar ainda mais inacessível.


E todas as felicidades de uma vida
entram num compasso de leveza,
absortas pelos jogos de luz no teto,
à espera de uma Visitação.



OUTONO – A câmara de palha





ELE pensa:


Há alguns meses, quase toda noite, sonho com o Amor.
Ao despertar sinto-me
vítima de todas as ameaças do tempo.


Quanto mais me afasto do que persigo,
mais o que persigo se aproxima,
mas entre nós uma tela fina se estende
e meu gesto fica sem efeito,
como se houvesse um forte obstáculo
que nada pudesse levantar.


Quando se possui o objeto de todas as cobiças,
ele escorrega, mais uma vez escorrega.



INVERNO – A última vez





ELA pensa:


Uma inspiração, um tema, é como uma vida...
Eu pensava que não acabariam nunca
essas câmaras de amor.


A última vez chegou e não se sabe mais o que fazer.
Seria bom queimar-se outra vez,
de olhos fechados, projetar-se
na nostalgia sussurrante de um sonho.


Uma tristeza insondável
em pensar neste tempo que viverás sem mim,
nessas praias desconhecidas de um outro milênio,
nessas reservas infinitas de ilusões.



MUITO DEPOIS DE TUDO





ELE diz para ELA:


Na angústia difusa de antes, havia o medo
de sucumbir às origens, o desejo disforme e doloroso do futuro.



ELA diz para ELE:


A angústia do abandono, da fuga,
ganha pouco a pouco uma outra idéia:
a decepção imensa e rasa
de só se ter uma vida.



Para os dois o ar tem hoje exatamente a mesma doçura que sentiram há tantos anos...
Com uma leve aragem anunciando todos os possíveis.



Nota: Gostaram? É um erótico bastante romântico, não?
E afinal, da exposição que me inspirou este artigo, quais as obras que mais apreciei?
Cerâmicas eróticas de povos ancestrais.
Desenhos do Tunga, principalmente um com fio de ouro, de extremo requinte e delicadeza (fui sua colega de turma na Arquitetura e, para quem não sabe, uma informação: Tunga não faz apenas obras conceituais – desenha “pra caramba”!).
Uma foto “desfocada” de lingerie vermelha de Thomas Ruff.
Uma outra foto de Nan Goldin que é a própria síntese do erotismo e foi a obra que mais me tocou!
E, claro, gravuras de Picasso e uma pequena escultura de Rodin (vejam também foto da sua escultura “O beijo”).


Estão pensando que vou publicar estas fotos? Eu não, vou deixá-los curiosos para que visitem este espaço imponente que é o CCBB. Mas para não deixar vocês com “água na boca”, vou fechar este artigo com a reprodução de um desenho de Rodin em carvão e aquarela (infelizmente não havia nenhum na exposição), com a mesma pose da escultura apresentada.
Na época em que Rodin mostrou ao público esta série, a imprensa tachou-o de pornográfico, Roma protestou e, em 1906, em Weimar, Harry Kessler teve que pedir demissão.
O escândalo perdurou e algumas destas obras “chocantes” (inclusive colagens, hoje consideradas “inocentes”), figuravam no inventário do Museu Rodin como Musée secret.




Femme nue qui fait le poirier – 32,7 x 15,2 cm.


P.S. Ah... não deixem de ver também a exposição de fotos de Leonardo Kossov. O título é perfeito: “Desoriente”. É o que acontece quando admiramos fotos com tamanha beleza e técnica (quase todas também “desfocadas”, assim meio “sonâmbulas”...)


Só não vale a pena tentar lanchar lá depois da visita. Tanto o café do térreo quanto o salão-de-chá são bem fracos: não têm nem capuccino! Mas vou dar uma boa dica: vizinho ao Centro Cultural você encontra a deslumbrante Casa França-Brasil, onde um bistrô “escondidinho” por trás, além de charmoso, pode abrandar sua fome com uma vichyssoise ou um folhado de carne-seca. Que tal?
 
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