Fashion Concept
Só pode ter sido obra do destino. Caiu em minhas mãos um texto de uma jovem sobre seu projeto final no Senac Moda. E que texto! Li, reli, me emocionei. Li, reli novamente... e telefonei para ela: - Você gostaria de publicar seu projeto no meu site? - Por quê?
Bem, já deu pra notar que a “parada” foi dura. Mas depois de alguns meses(!) consegui marcar um encontro – bem, forcei um pouco a barra, é verdade. Mas pelo meu site eu faço tudo (ou quase, é claro!). Em compensação... acho que a seduzi no encontro. Também ela agiu como estivesse acostumadíssima comigo. Aí foi mole. Ponto para ela.
A cartela de cores é inspirada no desgaste, no desbotamento, no encardido. A estampa remete ao incidental, como se folhas sujas fossem prensadas contra os tecidos, deixando sua forma carimbada.
Sei que vocês já estão ansiosos para saber quem é, mas vou me alongar um pouco mais. Jovem, bonita, talentosa. Aliás, vou corrigir: muito jovem, muito bonita, muito talentosa. Formada em Indumentária e Cenografia (2004-UFRJ), já trabalhou nas mais diversas áreas, mas sempre ligadas às Artes. Ama vários assuntos e, portanto, ama sobretudo a vida. Preocupada com seu futuro profissional (afinal de contas CRIAÇÃO não é muito valorizada aqui neste país), eu lhe asseguro: Menina, com esse seu sorriso e sensibilidade, ninguém vai resistir! Ah...o nome...
Clarice Rito nasceu abençoada: é filha da saudosa jornalista Lucia Rito (eu já havia falado sobre ela no artigo “Sul, Movelsul”) e do nosso “Homem do ano” na Construção civil, o arquiteto Jayme Plotkowski.
Agora leiam seu texto sobre esta moda-conceito para ver se estou exagerando!
A Deusa da Noite Urbana
Há muito tempo que a imagem dos mendigos povoa meu imaginário. Desde moleca, quando costumava voltar a pé do colégio para casa, cultivo um misto de fascínio e medo por eles. Confesso que em algumas ocasiões cheguei até a sentir um certo afeto por alguns que se faziam constantes em meu itinerário. Na realidade, em vários momentos já fui arrebatada por uma sensação de identificação com eles. Afinal, os indigentes podem ser vistos como o símbolo máximo do limite entre o homem e o animal, entre a sanidade e a loucura, entre a ignorância e o saber, o bem e o mal. Sua existência é ferida aberta, em carne viva, num cotidiano de crueza massacrante. No entanto, sobrevivem, persistem. Foi por terem se tornado figuras emblemáticas para mim que sempre dediquei a eles vários escritos. E, agora, dedico esta coleção.
Ao me deparar com o desejo de criar roupas baseadas na idéia de que “o feio não é a negação, mas a outra face do belo”, lembrei desse recorrente tema de imediato. Cavuquei minhas gavetas, e qual não foi minha surpresa ao encontrar, dentre outros textos sobre esse assunto, um poema antigo em que eu falava, justamente, sobre a beleza na feiúra! A musa inspiradora do tal poema e, por conseguinte, de minha coleção é uma moradora de rua que me ficou cravada na memória.
Aqui, minha mendiga é rainha, é a Deusa da Noite Urbana. É uma entidade poderosa, que, tal como a Medusa, congela - nem que só por um instante - quem cruza por seu olhar. Sua beleza soturna, misteriosa, é um encanto que perfura com seu gume agudo a alma dos notívagos que a encontram. Ela é a essência da escuridão, deusa das horas em que não há censura e os homens incorporam tudo o que negam durante o dia, em que os pesadelos correm soltos. Soberana das horas em que os ricos e pobres se confundem por possuírem em comum a mesma miséria - a miséria da solidão e do vazio - inerente à existência humana. Essa entidade é a síntese de todos os desconfortos e confrontos que nos assaltam na calada da madrugada, ao caminharmos pelas ruas da cidade.
A coleção reproduz o modo de vestir criativo dessa indigente, que transforma roupas ou pedaços de tecidos que encontra em seu caminho, unindo-os a materiais anti-convencionais, em trajes especiais.
Explorando moderadamente a feminilidade e a sensualidade, a silhueta varia entre o lânguido e o volumoso. Tecidos rústicos se misturam a básicos e a tramas de materiais alternativos - como telas de proteção e sacos de feira.
As peças encontradas pertenceram a corpos diversos, logo, algumas são muito justas e outras largas demais. Estas recebem amarrações ou são remodeladas. Em geral, barras e bainhas são desfiadas como resultado do tempo de uso ou da desconstrução intencional. Cobertores viram vestes, calças são transformadas em saias, e mangas de camisa, em faixas para a cintura. É grande o uso de pespontos aparentes, feitos com barbante e linhas grossas, que se tornam decorativos, juntamente a nesgas esfarrapadas.
No lugar dos botões, entram chaves e rosetas de fechadura ganham a função de broches. Estes elementos trazem um curioso simbolismo ao conjunto, se pensarmos no fato de essa personagem não ter o que abrir, trancafiar, o que ou onde guardar ou adentrar. Ela só pode trancar-se em si mesma. Se nos detivermos a este detalhe, podemos imaginar a coleção como uma chave a ser testada, na tentativa de adentrar no universo de uma intrigante criatura.
E aí, o que vocês acharam? A garota escreve ou não PRA CARAMBA?
Quando ainda era uma pré-adolescente, projetei os quartos da Clarice e sua irmã Suzana. Diferente das outras meninas, elas não quiseram quartos separados : um ficou para as duas dormirem, o outro para as duas estudarem. Dêem uma olhadinha na Clarice: é aquela compenetrada lá no fundo...
Se quiserem ver outros ângulos do quarto vejam a matéria “Mesas de estudos para os jovens” que escrevi para a MiniMáximo.
P.S.Recebi desta “curiosa”, como agradecimento, uma linda flor com um cartão todo elaborado por ela, que reproduzo abaixo. Dentro, mais precioso ainda, um texto que quase me levou às lágrimas. Depois, olhando para ela (e tentando disfarçar um pouco a minha surpresa e emoção), só desejei que jamais perdesse esta espontaneidade de expressar de forma tão bonita seus sentimentos. Não deixe que a vida te reprima, tá menina?
Ignez,
Já havia achado muito carinhosa a sua iniciativa de tentar “publicar” meu texto. Mas não esperava me deparar com uma homenagem a toda família! Sua danadinha! Fiquei muito emocionada com a surpresa. AFETO DE ARQUITETO TRAÇADO COM CUIDADO. Muito obrigada!
Puxa vida, quanta vida! Seu site é uma porta aberta ao Fantástico mundo de Ignez Ferraz. Mundo tão diversificado, com antenas apontando em inúmeras direções. Perscrutá-lo na WEB é como bater um papo com você, numa tarde que invade a noite, tamanha a riqueza de assuntos. Conversa gostosa, bem-humorada e pulsante que nos leva longe, bem longe...
Naquele dia em que você me “seduziu”, não era de se estranhar que eu agisse “como já estivesse acostumadíssima” contigo. Afinal, INESperadamente, encontrava ali uma cúmplice de inspirações, pois sinto que ambas procuramos nos inspirar ao máximo em tudo o que experimentamos; inspirar o máximo da vida da nossa existência, para expirar frutos viçosos. Porque você É minha cúmplice. Só que acredito que seu projeto já esteja muito bem concretizado. Enquanto eu ainda aspiro ser assim como você: bem sucedida na realização de sonhos e na arte de sempre buscar – no entanto, com tranqüilidade!
INESperadamente, topei com alguém que me certificava de que não há nada de errado em ser curioso das multiplicidades, neste mundo em que a ordem é ser específico. Conheci uma curiosa que deu certo! Uma pessoa apaixonada e feliz, que acalmou minhas angústias de pássaro novo – cheio de idéias de vôo, mas amedrontado pela frágil envergadura das próprias asas. Naquele dia que findava, ao descer pra rua e sentar-me ao engarrafamento de volta pra casa, percebi claramente: quando crescer, eu quero ser como Ignez Ferraz, uma Ignez FEROZ POR VIDA!
P.S.1: Você me desconserta com tantos elogios. Ah, que nada! São seus olhos!
P.S.2: Depois de ver sua homenagem no site, resolvi prestar também uma, em retorno. Passei o dia me deliciando ao computador e estampei o resultado no meu fotolog pra todo mundo ver! Se quiser ver a capa deste cartão on-line e outras “cositas más”, é só visitar: www.fotolog.com/claplot.
Bem, quem também quiser ver é só acessar. Clarice, um segredo: li para meu caçula suas palavras. Também emocionado, ele se levantou, me abraçou e sussurrou baixinho: mãe, eu também te admiro muito. Você é a melhor mãe do mundo!
Estes carinhos valem a vida, né não?
E-mail recebido pela Clapot: vi o site da ignez ferraz, ficou otimo seu trabalho! quero ver de perto! agora vou gritar: olha o sorriso do céu!! :) ah! e que fofas, voce e suzana pequeninas! beijo! Renata Mesquita |