Lendo o texto “Melancolia” deste site, comecei a me questionar: onde estariam estes tão perturbadores sentimentos na Arquitetura?
Melancolia - Dürer
Compreende-se a melancolia nas demais artes com muito mais facilidade (leia “Chambres d’Amour”). As imagens concretistas distorcidas, as cores escuras, ou, no caso da literatura, o despejar de sentimentos dolorosos através das palavras.
Porém, na arte funcional, a maioria destes artifícios não se aplica, pois a Arquitetura deve, antes de transmitir sentimentos, trazer qualidade de vida aos espaços criados. Ninguém suportaria morar, por exemplo, numa casa preta e sem iluminação.
Portanto, sua melancolia se expressa de outras formas. A linha de Arquitetura contemporânea mais próxima dos sentimentos melancólicos é o MINIMALISMO. Assim como o “Big Man”, também existem projetos que transmitem solidão, nostalgia, vergonha e a tristeza no seu ponto mais profundo - porém são expressos de maneiras mais sutis.
Um dos mais conceituados e premiados arquitetos com essa característica é o português Álvaro SIZA Vieira. Nascido em Matosinhos e formado pela extinta escola de Belas Artes do Porto (atual Faculdade de Arquitetura – veja sua foto no ARTIGO “Arquitetura Portuguesa : uma escola”), este gênio da Arquitetura acaba de ter uma obra realizada no Brasil - a sede da FUNDAÇÃO IBERÊ CAMARGO em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
Inúmeros projetos o credenciam para sua execução, como o Museu de Arte contemporânea de Santiago de Compostela e o Museu de Serralves no Porto. Um dos últimos remanescentes da terceira geração de modernos, Siza Vieira - como é chamado na “terrinha”-, pode ser considerado um dos precursores do minimalismo, mas também possui um forte cunho contextual em suas obras. Suas maiores referências foram seu antecessor Fernando Távora e o finlandês Alvar Aalto.
Iberê Camargo, pintor brasileiro dos anos 80, gaúcho, é conhecido pelas suas pinturas extremamente melancólicas. Desde as primeiras telas até sua linha de ciclistas (pela qual ficou mais famoso), Iberê se inspirava em visões do cotidiano e no lado obscuro do homem. Já expôs em diversos museus, tanto no Brasil como no exterior, inclusive na Bienal de Veneza.
“As figuras que povoam minhas telas envolvem-se na tristeza dos crepúsculos dos dias da minha infância.” (Iberê Camargo)
Muito curioso. Apesar de ambos terem obras de cunho melancólico, Iberê e Siza apresentam obras bem divergentes do ponto de vista visual.
A maioria das obras do português transmite sentimentos como solidão e nostalgia. Sentimentos mais fáceis de serem captados na Arquitetura. Para alcançar um equilíbrio necessário, Siza se utiliza de poucos elementos em suas composições. A frieza das formas se contrapõe com a madeira dos pisos. A luz natural dramatiza o espaço e a vegetação é utilizada como pano de fundo, presença apenas discreta. A cara da Arquitetura, sempre tímida, tenta quase se camuflar no entorno, através de referências visuais, encaixes nos terrenos ou no uso de materiais típicos do local. “Não ser tradicionalista e não ignorar suas raízes” - é o que nos ensina.
Obs.: A construção que conheço que mais emociona é o Museu Judaico em Berlim (leia “Fortaleza das Sensações”), do Daniel Libeskind (leia “Libeskind entre linhas”)- programa perfeito para transmitir os sentimentos mais dolorosos.
As pinturas de Iberê são tristes, sombrias e dramáticas. Sentimentos percorridos através de cores escuras, formas humanas destorcidas e desproporcionais. Cenas de dor e pesadelos urbanos. O fascínio de sua obra está na clareza da mensagem sem pudores e o choque que elas causam. Cenas deprimentes transmitidas como se fossem a verdade crua e nua, natural do ser humano. A morte como único caminho e a morbidez com fundo de sabor, assim mesmo, como os seres humanos apreciam.
“Não faço mortalhas coloridas.” (Iberê Camargo)
A nova sede para as obras de Iberê Camargo se localiza na Avenida Padre Cacique no. 2000. Álvaro Siza ganhou, em 2002, o Leão de Ouro de Veneza, um dos maiores prêmios de Arquitetura do mundo, com o projeto. A construção vai abrigar quatro mil obras do artista plástico em nove salas de exposições e ainda terá atelier de gravura em metal, atelier múltiplo, auditório, centro de pesquisa, livraria, cafeteria e um estacionamento subterrâneo.
O projeto é mais uma prova da sensibilidade do arquiteto. Localizado em um terreno em frente a uma lagoa, foi escavado de uma pedreira como se fosse uma escultura branca que surge numa forma introvertida e surpreendente. Três grandes braços caracterizam e movimentam a construção, abraçando o volume central, como se quisessem proteger alguma coisa.
Talvez seja isto mesmo: uma construção que abriga obras de arte não pode deixar que os usuários percam o foco das telas para uma vista, por mais deslumbrante que seja. Sem ignorá-la, Siza valoriza o belo contexto da lagoa, utilizando raras aberturas que enquadram momentos pontuais da lagoa e da cidade. Com isso intensifica o valor destes elementos para contemplação. Estas pequenas frestas localizam-se nos braços da construção, que são, na verdade, rampas que transportam o visitante de um andar para o outro.
O partido introvertido adotado pelo arquiteto “cai como uma luva” no programa para abrigar as obras do artista plástico. A solidão e a nostalgia do português associadas à dor e ao ódio do brasileiro tornam a nova sede um centro de melancolia. Um passeio completo pelos sentimentos de dois gênios, de artes diferentes, que se completam.
Iberê queria pegar uma bicicleta e pedalar para sempre em busca de suas verdades . Siza projetou este percurso sem esquecer suas raízes, para que as pessoas pudessem sentir e ver as raízes e verdades de Iberê.
Comentário: O que se pode esperar do projeto de Álvaro Siza e de outros arquitetos estrangeiros no Brasil é que ajudem a recolocar a arquitetura brasileira dentro do contexto mundial. Essa abertura, que já existe em todas as partes do mundo, pode direcionar - assim como a vinda de Le Courbusier – para um desenvolvimento da nossa Arquitetura moderna, reconhecida mundialmente.
Estamos vagando num limbo entre o moderno e o pós, salvo poucas exceções, como Paulo Mendes da Rocha, recém vencedor do Prêmio Pritsker. A comparação direta entre o modo de projetar dos “imigrantes” e dos brasileiros pode nos fazer muito bem.
Fabio Memoria é estudante de Arquitetura da UFRJ e morou um ano no Porto, com bolsa recebida como Prêmio pela Faculdade. Lá se apaixonou pela Arquitetura Portuguesa, tornando-se um entusiasmado defensor de seus princípios. Escreveu para este site dois artigos anteriores: “Janelas de Berlim”, que foi reproduzido nas revistas ESCALA e VIDROS & CIA, além de “Fortaleza das Sensações”. Em “Jovens talentos”, vocês podem conhecer sua concepção para a sede da Ong Recomeçar. |